Curiosity – Hugo Silva
Hugo Silva é um virtuoso. A sua pintura remete-nos para os clássicos na minúcia e desenvoltura dos detalhes, no estilo e tratamento dos pormenores. A forma como desenvolve os seus drapeados, por exemplo, evoca Fídeas – o Grego, o extraordinário escultor da Grécia Clássica que tanto influenciou os pintores Medievais.
O seu realismo, o seu hiper-realismo, não é, no entanto, despido de profundidade e drama, bem pelo contrário. Os seus retratos captam emoções, congelam momentos irrepetíveis ao mesmo tempo que adensam a trama que se constitui em torno dos personagens plasmados na madeira. Não se trata, portanto, de fixar momentos de um quotidiano mundano, banal e inocente mas antes de desvelar tensões, de trazer para o exterior estados de alma. Possuidor de uma técnica extraordinária e de um rigor irrepreensivel, Hugo Silva coloca o seu saber fazer ao serviço de uma narrativa que nos interroga acerca da condição humana. O que é ser humano? Que mistérios se ocultam por detrás de uma criatura que, como dizia Heidegger, “nasce para a morte”?
Em “Gestures”, Hugo aborda o universo das expressões humanas. A partir das ideias do livro “Body Language – How to read others thoughts by their gestures”, de Allan Pease, a sua pintura mergulha numa investigação pelos meandros da não verbalidade e da comunicação visual, “expressões e maneirismos enquanto manifestação do pensamento, ideias e emoção”. Os seus personagens, nos quais inclui amigos e conhecidos, interpelam-nos, desafiando-nos a desvendar os segredos da alma, como referido acima, que se ocultam por detrás do seu olhar enigmático e dos seus gestos misteriosos. Mas, na realidade, trata-se de expressões do quotidiano, gestos que são também nossos e que fazem parte de um léxico universal que, parecendo inacessível, todos “lemos” num processo comunicacional de uma enorme subtileza e poder. Em “Intimacy”, o personagem olha-nos de frente, afronta-nos e desafia-nos. O personagem não nos parece querer dar tréguas e impede-nos de virar a cara até que algo ocorra realmente, até que daquele confronto, numa dialética de olhares, surja um sorriso ou da timidez do corpo do espectador, nasça, revigorada, a vontade de reafirmar a vida.
Na pintura de Hugo Silva, os seus personagens, parecem pretender penetrar bem fundo no interior daqueles com que se vão confrontar no espaço de galeria. Quase vivas, as imagens plasmadas no plano dos painéis pictóricos, inquietam-nos, desassossegam-nos e possuem por isso o maior dos méritos: retirar-nos da inércia do quotidiano, provocar um abalo telúrico que nada deixa intocado. O poder da sua pintura está, principalmente, na profunda humanidade dos seus personagens.
Carlos Ribeiro, 2017